Nos
últimos tempos, aqui e no exterior, piorou o sentimento em relação ao Brasil. A
mudança se explica pela perda de dinamismo da economia — em grande parte por
razões domésticas —, pela queda da qualidade da política econômica e pelo
excessivo intervencionismo estatal. O agravamento da gestão fiscal e a forte
elevação da dívida pública federal podem constituir o motivo para o
rebaixamento da classificação de risco do país. Sucedem-se reportagens
negativas na imprensa estrangeira.
“Quanto
tempo a Venezuela levou para virar uma Cuba? Quanto tempo a Argentina levou
para virar uma Venezuela? E quanto tempo vai levar para o Brasil virar uma
Argentina?” Essa sucessão jocosa de perguntas, que circula por aí, tem sua
razão de ser. O governo dá razão aos piadistas e aos que veem o risco de
trilharmos o caminho da Argentina, que ruma para mais uma de suas recorrentes
crises, se é que já não a vive. Nosso vizinho perdeu o acesso ao crédito
externo — depois de um dos maiores calotes da história —, intervém abusivamente
na economia, estatiza empresas, controla importações, manipula índices de
inflação, intimida os empresários. Um horror. É a volta do trágico populismo
econômico latino-americano.
O Brasil
está longe dessa situação, apesar da política fiscal que endivida
excessivamente o Tesouro, usa malabarismos para fazer crer que cumpre metas e
desfaz conquistas. Isso pode acarretar a perda do grau de investimento (a atual
classificação de risco), o que reduziria a confiança no país e aumentaria o
custo da dívida pública e privada. Felizmente, como se verá adiante, em algum
momento essa política será revertida. Não há risco de calote na dívida pública
nem de crises do passado na inflação e no balanço de pagamentos.
É
verdade que a inflação, já muito alta, deve aumentar com o futuro abandono do
lamentável controle de preços de combustíveis (gasolina e diesel), ônibus,
metrô e trens. Acontece que dispomos de instrumentos de ação — corte dos gastos
e atuação da política monetária — e de pessoal qualificado para usá-los.
Depende apenas de vontade política. O governo agirá, pois o descontrole
inflacionário destruiria a popularidade da presidente. Não há, portanto, como
temer uma inflação argentina de 25% ao ano.
Quanto
ao balanço de pagamentos, erros de política econômica elevaram a
vulnerabilidade do país. A situação preocupa, mas não assusta. O regime de
câmbio flutuante voltou a funcionar. Do passivo externo, metade é composta de
investimentos estrangeiros diretos e de ativos financeiros, ambos denominados
em reais. Se uma crise de confiança provocar fuga de capitais, a consequente
desvalorização cambial reduzirá o valor em moeda estrangeira desses
investimentos e as respectivas remessas. A outra metade é representada pela
dívida externa (310 bilhões de dólares), hoje inferior às reservas
internacionais (375 bilhões de dólares). O Brasil é credor externo.
Diferentemente
da Argentina, onde inexistem instituições do quilate das brasileiras, estamos
mais preparados para enfrentar turbulências da economia mundial e para
resistir, por certo tempo, à persistência de equívocos da estratégia e da
gestão do governo. Devemos isso à herança bendita advinda das reformas
empreendidas antes da chegada do PT ao poder, as quais tiveram seguimento até
2006, quando foram interrompidas com a saída de Antonio Palocci do Ministério
da Fazenda.
O risco
do Brasil não é virar uma Argentina. Nosso problema é perdurar a mediocridade
no desempenho da economia, resultante de uma política econômica orientada por
visões ultrapassadas, por uma gestão fiscal desastrosa e por um
intervencionismo ultrapassado. O que preocupa é a armadilha do baixo
crescimento econômico que tudo isso montou. Conforta saber, como tenho aqui
assinalado, que instituições brasileiras, a exemplo da imprensa, das crenças da
sociedade, dos avaliadores de risco e do mercado, concorrerão para provocar uma
inflexão no modo de dirigir o país. A realidade imporá uma reversão de curso, o
que virá por ação do próprio governo ou pela reação dos eleitores. O basta aos
maus efeitos ao bem-estar poderia vir em algum momento através do voto.